O Conto do Poeta Triste


Lá estava Paulo, poeta das madrugadas que passava sem dormir. Era aquela clássica manhã de todos os dia úteis, ele ia pro trabalho, invisível na rua. Os carros se apressavam em meio ao trânsito da cidade suja e as pessoas passavam correndo, cada uma esbarrando em tantas outras que até mesmo as desculpas se tornaram respostas deveras automáticas.
E lá estava Paulo, ele em casa era adorado. Seu violão regava a casa com sons de dedilhados tão lindos que faziam os seus fantasmas se sentarem aos pés do muro para conversar ouvindo suas músicas, seus choros, suas alegrias. Dia após dia o muro de sua casa transpirava seus sentimentos. Era um homem de sensibilidade aguçada, como uma rosa, captava na brisa uma sensibilidade que ele não conseguia reconhecer, ou definir. Mas conseguia sempre perceber o que achava que sentia, e isso se transformava em solos que perduravam as tardes de domingo. Achava até normal quando as pessoas o viam pulando e dançando ao longo do passeio público enquanto todos queria chorar de tanta pobreza no sangue e de asco da felicidade do rapaz que corria ignorando Paulo sua asma.
Mas naquele dia  estava a caminho do trabalho. Vizualizava lembranças do dia recente em que estava por aí e viu um homem estirado no chão com umas dez ou trinta balas no peito, imaginava e traçava o caminho que tomara aquela conciência vazia de corpo. A morte era algo interessante de ser entendido e filosofado. Será que é humilhante? Será que morrer dói?
E lá estava a resposta, entre pessoas apressadas e guiado pelo desleixo de seus olhos que se recusam a enchergar enquanto ele se concentra, bem colada ao asfato que o beijou após seu voo baixo e doloroso. Esquecera de olhar para os lados, e a dor não teve dó. Sentia-se esmagado, sentia também os gosto férreo de seu sangue subindo boca afora e o frio do sangue correndo mais lento em suas veias. Via-se aos poucos decifrando seu maior mistério, e o seu derradeiro a ser desvendado. Não era humilhante, a dor não era carnal, a dor era mental, na hora da morte sentia somente  saudade. As coisas que não poderia mais vivenciar eram tantas, a músicas que deixaria de ouvir, as que deixaria de ecrever, os amigos que não iria mais encontrar, as coisas que deixaria de aprender, as que deixaria de ensinar. Os beijos da menina a amada em sua memória lhe rasgavam o resto de vida. E como seu último haicai, feito com seu último suspiro, escreveu no braço sujo “Amor, saudade, nada/Amor, amor,amor”. Fechou seus olhos para que a sensibilidade que tanto zelou não fosse quebrado pelos seus olhos mortos vigiando a rua, apagou suas luzes, não se viu mais.

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